O cinismo do IBDF 

O cinismo do IBDF 

A Associação de Defesa e Educação Ambiental (Adea) tomou conhecimento das sérias irregularidades do I.B.D.F. no seu relacionamento com os madeireiros, no que concerne à concessão de favores especiais. Trata-se de uma transação que sugere forte dose de corrupção, aproveitando-se do momento crucial das enchentes no Sul do Brasil. 

Mostrando-se aparentemente solidário à reconstrução de Santa Catarina, vítima das enchentes, o IBDF fez a seguinte proposta aos madeireiros: 

Todo madeireiro que doar um metro cúbico de madeira para construção de casas receberá um “crédito de reposição florestal” equivalente ao replantio de duas mil árvores. 

Esta generosidade é muito discutível. 

Vejamos: um metro cúbico de madeira serrada equivale a setenta e cinco mil cruzeiros. A proposta do IBDF é em “dobro”, 

visto tratar-se de madeira para flagelado, isto é, seria equivalente a cento e cinquenta mil cruzeiros. 

De conformidade com a legislação em vigor, somente é admitida a reposição florestal e o respectivo crédito, desde que a árvore esteja realmente plantada. De acordo com a taxa de reposição florestal (Cr$ 

75,00) as generosas contribuições dos madeireiros equivalem à dispensa de replantio de duas mil árvores por metro cúbico doado (150.000,00 + 75,00 = 2000 árvores). 

A portaria normativa 001/11/4/80 (art. 18) que disciplina a reposição florestal obrigatória, estabelece que um metro cúbico de madeira em toras obriga a reposição de quatro árvores efetivamente plantadas e, que um metro cúbico de madeira serrada implica na reposição de 6,666 árvores. 

A atitude pseudogenerosa do IBDF dispensando a reposição florestal de duas mil árvores por metro cúbico de madeira doada, constitui ato extremamente prejudicial ao problema florestal brasileiro. Representa uma forma sutil e cinica de burlar a lei. Trata-se de corrupção descarada. Quem ganha com isso? Para o flagelado esta representa uma migalha da enorme fatia que deve caber a alguém! Será este bolo somente do madeireiro?  

Façamos agora um cálculo inverso da reposição florestal para “crédito” das duas mil árvores recebidas peta doação de um metro cúbico de madeira. 

Para cada metro cúbico de tora doado, o madeireiro tem a dispensa de reposição florestal para trezentos metros cúbicos 

de madeira retirada da floresta. Da mesma forma, para cada metro cúbico de madeira serrada, o madeireiro terá dispensa de reposição florestal equivalente a quinhentos metros cúbicos. 

Com os dados acima não sabemos realmente quem está sendo generoso! Se em Santa Catarina forem doados mil metros cúbicos de madeira serrada deixarão de ser plantados, exatamente dois milhões de árvores, equivalente uma área sem reflorestamento de mil hectares. 

Quais foram as causas das enchentes que afligem o Paraná, Santa Catarina e o Rio Grande do Sul? 

Neste momento de calamidade todos se esquecem (inclusive o IBDF) de que a excepcional altura das águas é devida aos desmatamentos sem reposição florestal. Justamente os que provocaram a catástrofe (total ou parcialmente), receberão como “prêmio do IBDF” créditos florestais tão fantásticos, representados por duas mil árvores por metro cúbico de madeira doado aos flagelados. 

Na verdade, os madeireiros, para amenizar o sofrimento e os prejuízos causados a terceiros, deveriam doar, mas doar mesmo essa madeira, sem se creditarem nas duas mil árvores, assim de “mão-beijada”! 

Sabe-se por estatísticas divulgadas pelo próprio IBDF que a reposição florestal obrigatória em Santa Catarina foi sonegada quase que totalmente, estimando-se que o plantio obrigatório foi de somente quinze por cento dos projetos protocolados. Justamente, foi esse escândalo administrativo do IBDF que gerou em parte as consequências catástrofes com as enchentes. 

A divulgação pela televisão dessa concessão aos madeireiros é mais um escândalo da administração pública, além de ser inconstitucional e ilegal. Qualquer ação popular poderá derrubá-la e responsabilizar os efeitos negativos desse ato impensado e irresponsável do IBDF, ainda tem outros desdobramentos nefastos que são: desemprego gerado pela ausência de reposição florestal; ausência de investimentos no setor; diminuição da área reflorestada; abertura de um precedente muito perigoso e criação de um clima de desagrado geral entre os profissionais e entre os conservacionistas ligados ao setor florestal e seus problemas, 

A Adea exige dos órgãos competentes a revogação e anulação dessa concessão tão nefasta aos interesses nacionais. 

(João José Bigarella, geólogo, professor da UFPR e presidente da ADEA) 

Gazeta do Povo, 21/7/83 

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