Desmatamento criminoso no Norte do Paraná 

Desmatamento criminoso no Norte do Paraná 

A ADEA vem recebendo sérias denúncias a propósito de desmatamentos criminosos que vêm sendo realizados continuamente no setentrião paranaense, sem que os órgãos competentes se manifestem publicamente, esclarecendo o povo sobre tão grave assunto. Antes de abordar este tema, teceremos algumas considerações relativas aos problemas ecológicos regionais. 

Fala-se tanto de erosão no Noroeste do Paraná onde famigeradas voçorocas “engolem” cidades. Fala-se também nos problemas de erosão da ubérrima terra roxa, que tantas riquezas trouxe ao Paraná e agora traz o desespero da perda contínua da fertilidade. 

No final, todo o Estado sofre um processo de erosão contínua, verdadeiramente alarmante. 

Tudo isso já é bem conhecido! 

Alguém pergunta a razão disso tudo?  

Quem liga isto ao desmatamento?  

Muito se fala sobre erosão. Entretanto, apesar do problema ser conhecido, pouco se faz de concreto para um combate eficiente. A erosão constitui sem dúvida um problema ambiental desencadeado pela rutura do equilíbrio ecológico. Este desequilíbrio resulta de inúmeras causas. Entre elas queremos enfatizar o desmatamento indiscriminado, levado a efeito de “má fé” por grupos econômicos ou por proprietários ganasiosos, ambos desrespeitando a legislação vigente referente ao Código Florestal Brasileiro, que embora imperfeito, ainda garante a possibilidade de defesa ambiental. 

Os ignorantes ou desinformados dizem que progresso do Paraná se fez com o desmatamento que transformou florestas “improdutivas” em campos geradores de riquezas agrícolas. Esquecem-se eles que 

“boom” inicial transformou-se na grave situação atual, que levou ao êxodo rural centenas de milhares de agricultores, muitos dos quais marginalizados nas cidades. 

Sim, houve progresso. E agora?… 

A quem devemos a tragédia erosiva do setentrião paranaense? 

Muitos são os culpados. A ADEA sempre recebe denúncias a propósito dos saques contra a natureza. Neste problema estão envolvidos tanto o governo como a companhia colonizadora. O primeiro, por negligência e corrupção! O segundo por ganância desmedida e falta de patriotismo. Este não era necessário existir, uma vez que que a  companhia era estrangeira acostumada à uma sociedade colonialista. 

Em 1929, a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, liderada por ingleses, recebeu do governo uma área de 515.000 alqueires (aproximadamente 1.250.000 ha), compreendida entre os rios Paranapanema, Tibagi e Ivaí. Tratava-se de um ótimo negócio imobiliário altamente rendoso. No princípio, o empreendimento constituía um sucesso. A região passou a gerar riquezas fabulosas para os cofres públicos e para os proprietários da terra, que entretanto, não se preocupavam com o futuro próximo. 

O fantasma de erosão está transformando o setentrião paranaense, outrora fertilíssimo, em região que vem sofrendo progressivo empobrecimento de forma semelhante ao que soi acontecer no sistema colonialista. Quando a “colônia’ não é mais conveniente economicamente, o colonizador torna-se benevolente e concede independência política à colônia. 

Por que comparamos o Norte do Paraná com o Sistema colonialista? 

No Paraná, ocorreram nas últimas décadas, fases semelhantes àquelas que ocorreram nos países conquistados e colonizados. Os resultados são convergentes, isto é, conduzem ao empobrecimento regional e à degradação ambiental. Esta, atualmente ainda continua a ocorrer com a destruição dos parcos 4% do recobrimento florestal que ainda restam da voracidade imbecil do sistema econômico brasileiro

Para onde estamos levando o Paraná? Onde estão os 25% do território paranaense que deviam estar cobertos por floresta, que minimizariam os sérios impactos erosivos que hoje nos afetam de forma impiedosa? 

Vejamos o problema da colonização do Norte e Noroeste do Paraná. No início dela, estava em vigor o Código Florestal (Decreto 23.793 de 23/01/34 que rezava em seu artigo 23.° que nenhum proprietário de terra coberta de matas poderia abater mais de três quartas partes de vegetação existente, ou seja 75%:  

O que fez nesse sentido a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná? 

A ADEA resolveu investigar o problema. A Companhia exigia que nas escrituras públicas dos lotes desmembrados, o comprador se obrigasse a manter 10% das áreas em matas. Sendo então a exigência do Código Florestal de 25%, entende-se que a Companhia deveria ter 15% de preservação em condômino público dos diversos lotes para fazer face ao cumprimento da legislação. Esta percentagem corresponderia a uma área de 77.250 alqueires, ou seja, cerca de 185.000 ha. 

Onde está esta reserva obrigatória?  

Será que apenas as matas na cidade de Maringá são suficientes para satisfazer esta exigência da Lei? 

Além das matas de Maringá ainda restam algumas reservas, como a de Tuneiras do Oeste, com uma área de cerca de 10.000 ha. 

Teria ainda a Companhia direito a destruir os últimos vestígios da antiga floresta tropical? A Companhia continua loteando as matas e vendendo lotes. Estas matas fazem parte daquelas que por lei deveriam estar preservadas em defesa dos estoques genéticos vegetal e animal, imprescindíveis. Quem está comprando estes lotes está adquirindo imóvel “roubado” à comunidade paranaense. Portanto, quem compra estes imóveis não tem “direito moral” sobre o lote, mesmo que tenha havido cumplicidade dos cartórios, ou dos órgãos competentes dos poderes judiciário ou executivo! 

Agora mesmo, segundo denúncias a ADEA, a a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná está loteando de forma ilegal e imoral a 

Reserva de Tuneiras do Oeste. Nesta transação, no documento de compromisso de compra e venda, consta que podem ser desmatados 80% da área. Caso não se tratasse de uma reserva e caso estivesse livre de compromissos anteriores, 0 desmate de florestas nativas poderia ser de 50%. 

Mas não é o caso de Tuneiras do Oeste (Código Florestal, art. 16 letra b). 

Vejamos, esta área de 10.000 ha é uma migalha da parte do condomínio da Companhia que deveria totalizar 185.000 ha. 

Será que a Companhia ainda tem florestas nesta área que agora pretende lotear?  

Este tipo de problema exige do governo medidas enérgicas, a fim de salvar os ridículos 4% de cobertura florestal do Estado!. 

O artigo 16.º do Código Florestal Brasileiro faculta ao governo declarar de preservação permanente as florestas destinadas a atenuar a erosão das terras, como aquelas já tão sacrificadas no Paraná. 

Uma vez que o governo tanto prometeu em favor do meio ambiente, ele tem obrigação moral de resolver a questão. Basta de promessas demagógicas, já as tivemos demais no passado. A ADEA deseja que transações imobiliárias danosas aos interesses da comunidade, sejam anuladas através de mecanismos políticos jurídicos que coloquem um ponto final nos vergonhosos protecionismos, nos quais o governo foi conivente ou benevolente, ou seja que for!  

Será que o Instituto de Terras Cartografia (ITC) concorda com este estado de coisas?  

Será que ele apoia que vem fazendo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF)? 

A Associação de Defesa e Educação Ambiental (ADEA) exige do governo um pronunciamento formal através da imprensa. Os paranaenses devem ser esclarecidos a propósito da dilapidação do patrimônio florestal que tantos danos trouxe as cidades ribeirinhas do Iguaçu e àquelas do Noroeste do Paraná. 

(João José Bigarella, geólogo, professor da UFPR e presidente da ADEA) 

Gazeta do Povo 

 9/8/83 

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